Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

[tessitura homérica]


caibo todo nas tuas notas.
teu tom tatua teu tato.
nosso eterno trato:
você no cais
e meu barco sempre no horizonte.
ama-me enquanto é preciso.
quando meu barco soçobrar,
canta às ondas e me deixa
naufragado no passado.

domingo, 24 de agosto de 2014

fome

acordei hoje com fome de poesia
luz na janela chama-me a acordar
água gelada do chuveiro
(ignoro o "mode winter" por vontade de acordar)
uma bermuda nova e uma camisa antiga
o cereal na tigela de sempre

mas a fome é de poesia, mundo!

vontade de comer
olhos negros,
arrebóis,
medos infantis,
gerânios,
brisas marítimas,
sonhos soterrados,
notícias de romances eternos,
laudos médicos

se der tempo,
passar na sua casa,
comer uma fatia do nosso passado:
doce de leite com passas e amor.


sábado, 16 de agosto de 2014

I Obituário para Clara

Amávamos Clara como se a vida dela dependesse desse amor - ou como se nossas vidas dependessem do amor à vida dela. Então não sabíamos se era um amor altruísta ou egoísta. Sabíamos apenas que era amor.
Clara era embaixatriz de alguma casta universal de ninfas, menina de recados de algum deus olímpico, epifania, terremoto. Quando abria a boca, não sabíamos se era voz humana ou flauta doce de zéfiro.
Dói-nos saber que os deuses a chamaram de volta, deixando-nos apenas a lembrança monocromática. A imagem de sua beleza clássica ainda nos acorda pelas madrugadas e ainda inspira nossas árias.
Dormimos com as janelas abertas, porque talvez um dia sua voz deseje voltar para nos ninar numa noite fria e inquieta.

_ Bardo

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Bela



há de ser seu nome uma profecia
como se houvesse essência no nome
                                cheiro incenso
antes mesmo de registrado o nome
haveria de ser bela 
o nome apenas diz 
o sorriso apregoa verdades óbvias e esquecidas
                               vulgo felicidade
haveria de ser bela
os céus seriam apenas véus
nuvens intrusas pois o sol lhe quer tocar
              é dia vento
haveria de ser bela
o nome já havia dito
e a chuva repentina confirmou
                 que o nome apenas diz
                 mas o riso prova
                 apesar das provas
                 que haverá sonho
                 com sorte haverá poesia e fim de tarde no Recife.

Manifesto do ignoto



“Ninguém é pai de um poema sem morrer”
Manoel de Barros

Na verdade, na verdade, escrevemos porque somos tristes. Nosso poema, nosso conto e até nossos romances – reais ou morais – são nossos atestados de tristeza. Não se engane, nossa escrita não vinga, se não estivermos com vontade de des(ex)istir.

No descontar das notas e no despontar da dor, restam textos soltos, palavras avulsas, os nós de um passado ou mesmo nós mesmos esquecidos, cacos de vasos, vidro ou barro no chão. Se a realidade disser “chore”, nós escrevemos com as lágrimas na caneta, no lápis, no teclado – ou sem lágrimas.

O meu poema de amor é relato do amor que tive, que não tenho. Se escrever poema de amor vivendo amor, não tem a mesma graça – nem o mesmo pesar –, passa mais poesia depois que o amor acabar. Passa mais poesia, porque nasce do amor, mas deságua na tristeza – ou nasce da tristeza e debruça no amor, já não sei.

Amor é tema de poema, porque dá susto e porque sustenta a gente por semanas, meses, anos – inclusive dizem que pode sustentar para sempre. Lembro de nós meninos e vislumbro nós adultos, não sei até quando serei eu a ocupar meu cargo na existência.

Cada poema é meio obituário de esperança, é meio plaquinha “faça silêncio”, é meio pedido de casamento, é meio rescisão de contrato, é meio sono, é meio cansaço, é como carrossel que, embora rime com céu, nunca ascende ao firmamento.

Meu poema – não tenho vergonha – fala da minha tristeza, impotência, medo. Meu poema tem medo do futuro, porque o tempo roubo dois ou três versos metrificados. Meu poema – não tenho dúvida – fala de mim como se eu não existisse e houvesse um outro que me ocupa: estrangeiro, nômade, eremita, vagante, olhos turvos, mãos trêmulas e leve esquizofrenia.