Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

[significar]

És tu, pois, a emissária do Sol
de longos trajes a significar luz
e ressignificar os dias que adentram às noites:
verão de existir e inverno de esquecer.

E me matas de luz vindoura
com sorrisos de solstício e
pressa de chegar tremeluzindo:
evocação de ser e riso de amanhecer.

Amanhece, menina, que teu sorrir é todo apunhalar as noites.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

No jornal

"Segundo seguras fontes, ontem já na alta noite dois indivíduos foram flagrados em plena briga pela guarda de uma criança. A discussão, que envolveu injúrias e difamações em alta voz, foi assistida por todos os vizinhos. Ao fim da discussão, um dos dois conseguiu ficar com a menor, segundo relatos dos presentes, o nome da menina era Verdade."

Após ler esta notícia na capa do caderno Política & Cidades, Verdade, já cansada em seus cabelos brancos fechou o jornal e levantou-se da cadeira, pois o seu chá havia acabado de ficar pronto.

Raul Albuquerque

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

II Obituário para Clara

Tenho medo que te tornes apenas palavras amarelecidas, menina, Clara. Tenho medo do tempo te apagar de mim, como apaga as letras douradas das capas de livros antigos. E tenho outros medos.
Mas não quero escrever uma elegia. Hei de te escrever uma ode.
Tu eras de mãos nuas num tempo de mãos que empunhavam estandartes. Tuas mãos amavam. Sei por que fui amado por elas. E fui amado também pelo teu sono. Teu nome poderia ser Clarice, mas foste Clara, como a água é clara na alva, como tua fala era clara.
Tu não foste apenas um nome, Clara. Foste Clara e, na tua clareza, cabiam mais de sete luas, além da nossa partitura e da leveza dos solstícios.

_Calícamo.

sábado, 27 de setembro de 2014

Antes do boa-noite

queria eu beijar-te a testa e dizer "dorme bem, moça"
mas, vem cá, vamos conversar
tem uma lua lá fora louca para ser vista
as estrelas estão lá também
não me diga adeus tão fácil
não me diga nada
permita que o sol leve minhas flores
aguarde uns dias mais

contactei uns ventos para te acordarem
de segunda a sexta
dispensei-os no fim de semana
porque eu prefiro te acordar pessoalmente

quero fazer isso todos os dias
na verdade
todos os dias e todas as noites
quero te olhar um boa-noite
e te beijar um bom-dia

[Raul Albuquerque 27/09/2014 23:54] Boa noite, moça!

Raul Cézar de Albuquerque
27/09/2013

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

[sonar]

em lá
acabamos nosso dueto

tom de distância abissal
dissemo-nos adeus 
como quem mutila a carne
e lacera algo de coração na garganta

as pessoas passavam 
o tempo passava
e eu não queria ser passado
- era infantil a vontade
de terno me eternizar 
em teu prontuário

em lá 
acabamos nosso dueto
um dó grave do piano fechou as cortinas
                                         apagaram-se as luzes

Raul Albuquerque
10/09/2014

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

[tessitura homérica]


caibo todo nas tuas notas.
teu tom tatua teu tato.
nosso eterno trato:
você no cais
e meu barco sempre no horizonte.
ama-me enquanto é preciso.
quando meu barco soçobrar,
canta às ondas e me deixa
naufragado no passado.

domingo, 24 de agosto de 2014

fome

acordei hoje com fome de poesia
luz na janela chama-me a acordar
água gelada do chuveiro
(ignoro o "mode winter" por vontade de acordar)
uma bermuda nova e uma camisa antiga
o cereal na tigela de sempre

mas a fome é de poesia, mundo!

vontade de comer
olhos negros,
arrebóis,
medos infantis,
gerânios,
brisas marítimas,
sonhos soterrados,
notícias de romances eternos,
laudos médicos

se der tempo,
passar na sua casa,
comer uma fatia do nosso passado:
doce de leite com passas e amor.


sábado, 16 de agosto de 2014

I Obituário para Clara

Amávamos Clara como se a vida dela dependesse desse amor - ou como se nossas vidas dependessem do amor à vida dela. Então não sabíamos se era um amor altruísta ou egoísta. Sabíamos apenas que era amor.
Clara era embaixatriz de alguma casta universal de ninfas, menina de recados de algum deus olímpico, epifania, terremoto. Quando abria a boca, não sabíamos se era voz humana ou flauta doce de zéfiro.
Dói-nos saber que os deuses a chamaram de volta, deixando-nos apenas a lembrança monocromática. A imagem de sua beleza clássica ainda nos acorda pelas madrugadas e ainda inspira nossas árias.
Dormimos com as janelas abertas, porque talvez um dia sua voz deseje voltar para nos ninar numa noite fria e inquieta.

_ Bardo

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Bela



há de ser seu nome uma profecia
como se houvesse essência no nome
                                cheiro incenso
antes mesmo de registrado o nome
haveria de ser bela 
o nome apenas diz 
o sorriso apregoa verdades óbvias e esquecidas
                               vulgo felicidade
haveria de ser bela
os céus seriam apenas véus
nuvens intrusas pois o sol lhe quer tocar
              é dia vento
haveria de ser bela
o nome já havia dito
e a chuva repentina confirmou
                 que o nome apenas diz
                 mas o riso prova
                 apesar das provas
                 que haverá sonho
                 com sorte haverá poesia e fim de tarde no Recife.

Manifesto do ignoto



“Ninguém é pai de um poema sem morrer”
Manoel de Barros

Na verdade, na verdade, escrevemos porque somos tristes. Nosso poema, nosso conto e até nossos romances – reais ou morais – são nossos atestados de tristeza. Não se engane, nossa escrita não vinga, se não estivermos com vontade de des(ex)istir.

No descontar das notas e no despontar da dor, restam textos soltos, palavras avulsas, os nós de um passado ou mesmo nós mesmos esquecidos, cacos de vasos, vidro ou barro no chão. Se a realidade disser “chore”, nós escrevemos com as lágrimas na caneta, no lápis, no teclado – ou sem lágrimas.

O meu poema de amor é relato do amor que tive, que não tenho. Se escrever poema de amor vivendo amor, não tem a mesma graça – nem o mesmo pesar –, passa mais poesia depois que o amor acabar. Passa mais poesia, porque nasce do amor, mas deságua na tristeza – ou nasce da tristeza e debruça no amor, já não sei.

Amor é tema de poema, porque dá susto e porque sustenta a gente por semanas, meses, anos – inclusive dizem que pode sustentar para sempre. Lembro de nós meninos e vislumbro nós adultos, não sei até quando serei eu a ocupar meu cargo na existência.

Cada poema é meio obituário de esperança, é meio plaquinha “faça silêncio”, é meio pedido de casamento, é meio rescisão de contrato, é meio sono, é meio cansaço, é como carrossel que, embora rime com céu, nunca ascende ao firmamento.

Meu poema – não tenho vergonha – fala da minha tristeza, impotência, medo. Meu poema tem medo do futuro, porque o tempo roubo dois ou três versos metrificados. Meu poema – não tenho dúvida – fala de mim como se eu não existisse e houvesse um outro que me ocupa: estrangeiro, nômade, eremita, vagante, olhos turvos, mãos trêmulas e leve esquizofrenia.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

eternizar

escrever
é tentar a eternidade

como o corpo -mão e olhos -
volta ao pó e pelo vento vai,
o Poeta tenta se deixar
em linguagem 

letra a letra
o Poeta tenta dar fonemas 
à mudez surda das almas apressadas

o Poeta 
- alma impunível - 
tentar eternizar 
as vidas não ternas

na gravidade dos dias,
o Poeta põe os ternos dos velhos
- juízes, cantores e engraxates -
e tenta eternizar-se de passado

Raul Albuquerque

terça-feira, 1 de julho de 2014

tua dança


todo o teu andar é dança:
mãos dadas ao crepúsculo;
um bunker de esperança;
guerra e paz num opúsculo.

estivemos de costas para o mar,
porque o sol tem descido 
sobre os prédios da cidade
e o rio é da nossa idade
com seu rosto envelhecido
de tanto querer (a)mar.

Raul Albuquerque

domingo, 15 de junho de 2014

como se uma visita fosse...

como se uma visita fosse,
eu te lembrava vindo
em névoa e sol
e meu quarto se enchia
de tua noite fria e tua luz.

como se uma visita fosse,
eu me vestia de dias mal passados
para te receber em esplendor
assim que ouvia sinos.

como se uma visita fosse,
eu aprendia frases em francês
e massas italianas
e preparava a mesa ao te sentir vindo.

como se uma visita fosse,
meus olhos valsavam 
entre a porta e o relógio
como se teu vir também fosse dança
- rumba, bolero, poema.

como se uma visita fosse,
tua imagem me aparecia
e a liturgia das velas começava
ao som de Bach.

Raul Albuquerque
14-15/junho/2014


sábado, 7 de junho de 2014

sobre olhos

aprendi
- não a tempo -
que os dias se morrem 
nos olhos delas

afoguei-me em olhos verde-mar
e não lembro como ressuscitei

tive alucinações febris em olhos furta-cor
pensei ser a extrema-unção,
mas não conheci céu

amei ainda dois olhos negros
que o sol tornava espelhos
e a lua tornava sóis
ora, aqueles olhos continham neles
uma parcela significativa 
do que eu não conhecia do universo

mas
aprendi
- não a tempo -
que os dias se morrem 
nos olhos delas

será que ressuscitam?

Raul Cézar de Albuquerque

sexta-feira, 30 de maio de 2014

comportar

teu olhar despejou em mim 
pó de esperanças infundadas
enquanto eu dormia

tu sopraste ventos
que eu desconhecia
e o pó recebeu vida

senti a perda de duas costelas
e me levantei sem ti

a dor de receber um esperança
e vê-la cair em semente na terra

lembro que dormi em teu colo
e acordei lembrando de ter morrido

sendo a vida já outra coisa que não a vida contigo
não sei se vida é

(nada disse: as palavras nunca nos comportaram)

Raul Albuquerque

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Métrica quase bolero

Tu, moça, cabes em um só bolero.
Tu cabes na mesma melancolia 
e na mesma cadência que eu quero
p'ra que a vida não passe à revelia.

Raul Albuquerque

sábado, 24 de maio de 2014

Alexandrino II

Aprendi meus amores de longe e de carta;
remeti sem saber o seu destinatário;
selado em silêncio mórbido e vário
que desvaria diante da secura farta.

Raul Albuquerque

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Alexandrinos brancos


sonhara toda noite com as cores brancas
até girassóis brancos vira vaguear
pelos amores brancos de tanto luar
a iluminar as belezas que o escuro arranca

Raul Albuquerque

sábado, 17 de maio de 2014

Soneto-resposta para agrado de neoparnasianos

Aprendi cedo a poesia com Moraes
e vi que nos sonetos cabem vidas,
há espaços para alegrias sofridas
e para os cotidianos mais imorais.

Não há necessidade de rimar,
mas há de ser o texto a boa forma
forjada em porões d'alma sem norma
que saiba diferenciar poça e mar.

A poça vem de qualquer chuva
e com qualquer sol evapora já,
mas o mar, além da forma-luva,

sabe que traz em si eco de rios
e, para além de um medo sombrio,
sabe que é o ser-rio que o faz ser mar.

Raul Albuquerque
17/05/2014

quinta-feira, 8 de maio de 2014

[onde couber bem]

desaprendi a minha casa

onde coubera tudo já nada cabe

destendi dores pré-históricas
e atravessei noites homéricas
em busca da terra em que 
os sonhos se desmancham
em ondas de realidade 
num mar longo e pacífico

mas nada encontrei
só o oceano insatisfeito
e terremotos no oriente

voltei para casa e já nada cabia
perderam-se as medidas
e os móveis apertaram-se
com as portas ficando menores
e eu mal pude entrar
só pus a cabeça na entrada
e vi que já nada me cabia

hoje trago malas 
e uma vontade eterna
de construir um lar
em que caibam
as lembranças [o futuro [o meu nome [e amor por capricho]]]

Raul Cézar de Albuquerque
08/05/2014

sexta-feira, 25 de abril de 2014

hoje

o sol que eu vi descer a rua me assustou
e eu morri de medo
a luz de seus dedos me ressuscitou
uma dor antiga

e tu entraste disfarçada de cantiga
aplaudida pelos meus cílios
e cheia de rosas encravadas
como uma joia

eu soube dos astros tocando teu cabelo
e das cascatas americanas olhando teu sorriso
já perdi as contas de imaginar-te 

pensei em dizer os dias
mas o sol já desceu a rua
e a noite fica nua
sem você, a morte continua

Raul Albuquerque
25/04/2014




sábado, 22 de março de 2014

[dá-me teu tear]


chego hoje a uma conclusão:

preciso de teus olhos

mesmo que eu não os olhe e que eles não me olhem
preciso da gota de futuro que é saber que eles existem

preciso de teus olhos

não faz sentido [eu sei
mas não preciso de sentido [preciso de teus olhos

preciso de teus olhos

só durmo e acordo enquanto houver olhos teus
só respiro enquanto houver teus olhos

preciso de teus olhos

só morro se houver teus olhos
sem eles nem vida nem morte
sem eles apenas trocas gasosas e sanguíneas
               [apenas conversas ocas
               [apenas marasmo
               [apenas o mar sem alma que namora o abismo.

Raul Albuquerque
22/03/2014


quarta-feira, 19 de março de 2014

[atrasada]


há notas na tua fala
e ninguém conseguirá cantar
as tuas anotações 
como tu cantas, 
a mezzo-soprano mais exata
em errar a hora

e há mistérios
que são belos velados
e descobertos 
são nus pecados
sem cor de céu sol sal

y solamente tú
quedas al lado de las estrellas
y de los corales 
              del oceano

tu divides dois tempos e dois domínios
hoje é tua a plenitude
e teu é ser sempre


Raul Albuquerque
19/03/2014

quinta-feira, 13 de março de 2014

miedo miel mar

por las calles me voy
y sin miedo
la noche cae

una sonrisa se fue
mis ojos no la miran más
sólo tengo
una rota eternidad

y tengo miedo

no que lo tenga yo
él me tiene

soy todo miedo miel y mar

miedo por no ser

miel por querer

mar por las olas que se van 
  y siempre vuelven
      y nunca vuelven iguales

besame la esperanza
  que es una niña ciega
podría ser cecília su nombre
  pero es esperanza
y su beso lleno me hace oco


Raul Albuquerque
13/03/2013

quarta-feira, 12 de março de 2014

doçura

não é exagero crer que
a vida é o caudaloso rio
que cai a conta-
                -gotas

e cada amor é como 
um verão 
       ou como qualquer estação
de metrô em que
       o ruído é feito de infinitas vozes
como o murmúrio do mar
       vem do mármore
e das marés (leiam-se lágrimas)
       vem do cárcere
e dos campos (leiam-se fábricas)
       
       em todo lugar se pode ouvir o mar
porque está o mar em todo lugar
       cada adeus é braço de mar
oceano a desaguar na gente
       que chora e lava os pecados
que salgam o mar até que 
       tudo seja novo céu e nova terra

       mas hoje sou apenas
um braço atrofiado de mar
       não sei ser rio 
porque falta doçura

Raul Albuquerque
12/março/2014

domingo, 5 de janeiro de 2014

Caloria

Em Recife
faz calor

nenhuma novidade, não é, menina?

e você contava calorias
enquanto eu no calor ria
e o rio parava às minhas costas

eu nem lembro do que estudei
sobre o assunto
nem sei de calorimetria
e o calor metia a luz do sol
na mistura doce dos olhos
serenos

e você contava calorias
enquanto eu no calor ria
e o rio parava às minhas costas

como que o calor 
fizesse sublimar 
a tua beleza líquida
em ar de embriaguez

e você contava calorias
enquanto eu no calor ria
e o rio parava às minhas costas

você nas calorias
eu no calor rio
dos teus risos
e dos rios
que correm 

rio dos rios que correm

compreendo os rios
que param
              eu também pararia
              se o som que
              serve de tutorial às aves
              fluísse de um sorriso 
              como flui do teu...