Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

sábado, 29 de junho de 2013

Demência


Minha alma é demente. 
Passa o momento e só depois
ela resgata os sentidos
e o sentido do que se viveu.

Minha alma é demente.
Perde-se na ilusão 
sem fazer alusão ao amor
que existe
e prende-se a telas.

Minha alma é demente.
Olha para trás e vê tudo
e baixa a cabeça sem coragem de
admitir que à frente 
vai o resto que não nasceu.

Minha alma é demente.
Perdeu já tanto tempo.
Perdeu já tanta vida.
Perdeu já tanta alma.

Minha alma é demente.
Que não chora
porque, quando sente
a dor, a ferida já vai cicatrizando,
o inimigo está perdoado,
a arma já nem existe mais.

Minha alma é demente.
E vaga lenta por dúvidas.
Perdoa a demência,
sinal de uma alma cansada
e velha
e cansada de ser velha
e cansada de ser vela
nos constantes funerais sem motivo.

Raul Albuquerque
29/06/2013

sexta-feira, 28 de junho de 2013

écloga noturna


- foi vista do mar quando o sol sai depois do banho noturno
- foi procissão de velas em noite sem estrelas nem esperanças
- foi como ouvir o canto de sete sereias extasiadas
- foi como ouvir o flautista de hamelin 
- foi como uma prévia do futuro
- foi como o início d'um sonho
- foi como ser tocado por lírios em chamas
- foi um incendiar-me de arrepios e sensações
- foi um erguer-se do querer alerta
- foi um inundar-me de vontades
- foi descobrir geografias 
- foi tirar cobertas 
- foi como entrar pelas portas do Paraíso
- foi como jazer e dançar no Hades
- foi serrar tora de roseira e ouvir os gemidos da floresta
- foi como um ataque de ondas, vai e vem, mar revolto
- foi sol no rosto
- foi mar nas pernas
- foi espirro da alma
- foi choro de alegria
- foi jato de alegria
- foi escorrer de si
- foi dever cumprido
- foi inesquecível

Raul Albuquerque
28/06/2013

quinta-feira, 27 de junho de 2013

não nego


não nego
sou fraco
não nego
tenho medo

criança
tive medo do escuro
adulto
- ou quase isso -
tive medo da luz

e sou fraco 
demais

e tenho medo
demais
de mais 
frustrações virem
em marcha
manchando a imagem
que imagino
de olhos fechados

digo tudo isso
porque eu caminhava

do horizonte
minou um clarão

eu fechei os olhos
de imediato
de medo

assim
desde então 
não tive coragem 
para abrir os olhos

assim
fico sem saber
se foi o dia 
que finalmente me ouviu
e veio
ou se foi um relâmpago
intruso no meio da meianoite

o vento me varre
e os olhos permanecem fechados
olhos cerrados 
encerrando a luz
que não sei se há

Raul Albuquerque
27/06/2013

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Das Promessas

Passear pelas ruas
numa manhã qualquer
e ver que os cães latem
latem
e não cansam de latir,
mas nunca
mordem,
quando o que mais se quer
é uma mordida profunda
e raivosa
que faça escorrer sangue 
e ira
e assim esvaziar-se gota a gota.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

lumina


porque eu sou de metades

metade de mim
é onírico
é Orpheu
é éter
é intocável
inominável
ininteligível
é sopro sem forma
é imagem sem fôrma

o resto de mim
é palpável 
é Tanatos
é matéria bruta
é realismo
em póstumas memórias
do homem falido
é aspiração enferma
é imagem iconoclasta

em escuro leve e frio
tu eras fogueira
e eu entre muitos
te rodeava
para receber da tua luz
para ter do teu calor
e te rodeei todo o verão
amanhã será inverno
(falo sério,
amanhã começa o inverno)
e não sei se devo 
me aproximar mais de ti
ou procurar
uma chama que não aqueça
só uma metade de mim
- matérias brutas também
precisam de calor.

creio que fui destinado a vagar
sozinho
noites adentro
trilhas afora
suportando o frio
e o fardo
de ser 

Raul Albuquerque
20/06/2013

Estranho


Imagina o quanto seria estranho
se um dia você me procurasse
e eu já não estivesse dormindo.

Você gritaria e eu estaria longe,
estaria muito longe,
longe demais
para ouvir você.

Imagina o quanto seria estranho
se um dia você me procurasse
e eu já não estivesse sonhando.

Você iria brincar sem mim,
sem me chamar,
sem nem lembrar o que fui,
sem ver que o que hoje rui
são as colunas que eu construí.

Imagina o quanto seria estranho
se um dia você me esquecesse
e eu continuasse lembrando.

Eu iria enviar bilhetes,
cartões-postais, telegramas
e cartas-bomba para 
um endereço vazio
- o endereço antigo
por não saber em que
sopro de vida tu dormes 
então.

Imagina o quanto seria estranho
se um dia você morresse
e eu continuasse te procurando.

Eu vasculharia necrotérios
e cemitérios. E, se te achasse,
abriria uma cama ao teu lado
e viveria a tua morte contigo.

Imagina o quanto seria estranho
se um dia eu morresse
e você fosse vivendo...

Raul Albuquerque
19-20/06/2013

terça-feira, 18 de junho de 2013

Tanta


E era tanta saudade
que eu poderia 
deixar os ponteiros do relógio
da sala me traspassarem.

E era tanta saudade
que eu poderia 
fazer fogo com as cinzas
dum passado.

E era tanta saudade
que eu poderia
me enterrar nas areias
do tempo.

E era tanta saudade
que eu poderia
me enforcar no fio 
das horas.

E era tanta saudade
que o relógio de sol pararia
que a lua permaneceria minguante
que era noite e era dia
que qualquer outra presença seria minorante
que era toda noite esperando dia
que nada era importante....

E era tanta saudade
tanta saudade
que cheguei a acreditar no que dizem
sobre depois de uma longa manhã
e uma tarde causticante
sempre vir a noite
sempre vir à noite
uma espécie de sonho para nos visitar.

Raul Albuquerque
18/06/2013

Confeccionar História



O desejo onírico 
sempre presente 
de fazer História.

Sim,
essa História com inicial maiúscula
que se apresenta impoluta e bate continência
em livros didáticos.

Mal sabe o sonhante que 
a História é feita de histórias
- e até de estórias.

E o gigante
sempre deitado em berço
explícito continua dormindo...
e sonha
e sonambula por aí.

O desejo onírico 
sempre presente
de ser mais 
que um indivíduo.

Sim,
deixar a posição
de solista rouco
e querer fazer
parte do coral
para cantar:

Mas te ergues que o passado grita forte
verás que teu filho foge da culpa
de ter escolhido que faz a tua morte.

Mãe abandonada,
Como outras mil,
És tu Brasil,
Ludibriada.
Teu filho revela-se um tanto hostil,
Pátria amada,
Brasil!

Revolts.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Verde


dizem que há uma revolução
a eclodir por aí

mil perdões

é que eu sou 
do verdejar silencioso
das manhãs sem orvalho
e do frutificar
dos anos de trabalho

é que eu sou
da epifania diária
da revelação divina
- ainda que parcial
porque a verdade é pesada -

é que eu sou
da revolução que
eclode na flor de drummond

é que eu não sou
da revolução surda
e cocha

há de verdejar
e de subir um novo ar
pois toda noite quer ser manhã
mas ninguém empurra a lua
nem puxa o sol
há de verdejar
e nascer um novo lar

Raul Albuquerque
17/06/2013

Ex quecido

O sol daquela tarde de domingo
Era um paradoxo ao mundo interior
Trazia na memória lembranças frias
Precisava esquecer
Para aquecer-se

Precisava esquecer
Mas saudade é um bicho poético
Que não se contenta em brincar no quintal
Sempre acha uma maneira de chamar atenção
De aparecer na janela
De entrar em casa
E bagunçar tudo
Revirar os baús.


Raul Albuquerque
Rosana Varela

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Branca


Eu quero trégua
e a bandeira branca que levantei
de nada serviu.

Se baixo os olhos,
a terra molhada
tem o teu cheiro.

Se olhos os montes,
andorinhas cantam teu nome
e eu deixo escapar 
um riso rebelde.

Já perdi a conta das orações
em que entraste como
a que precisa ser feliz
ainda que longe de mim
- e nessas orações
eu corria madrugadas.

Se cometo crime,
és agravante.

Se te mato dentro de mim,
é homicídio desqualificado,
ato indeferido, pedido negado
e não morres...
mas eu fico detido
nos teus dias corridos.

Eu quero trégua
e a bandeira branca que levantei
de nada serviu.

E quando penso em seguir,
me seguras - às vezes,
sem querer.

E quando penso em parar,
tu paras - às vezes,
por querer
ver minha desolação
misturada com ilógica alegria.

Ainda que
eu emudeça
e a poesia pare de me visitar,
preciso de trégua.

Há tanto a fazer
e tantos assuntos
que posso escrever,
mas permaneço atracado 
no teu cais.

A gaveta cheia de projetos
e a cabeça cheia de ideias,
mas só escrevo sobre uma
coisa - tu sabes que és tu.
Eu também sei.

Arranjarei um modo
de ir e que assim tu fiques,
ainda que eu siga por alamedas
inabitadas e juro que
entrarei por portões sem te avisar
e verás que para ti ainda há vida
a minha se foi
- talvez não reste tempo para
lembrares de mim e os dias
sejam ainda róseos -
eu danço só e livre
sobre noites de sexta-feira
desapareço durante os sábados
morro nos domingos
e descanso disso tudo
nas manhãs de segunda
para ser estrela instável pela noite
e vigiar tua viagem
para a aula mais chata do mundo.

Raul Albuquerque
10/06/2013

sábado, 8 de junho de 2013

Cansaço

Há vida fora do Amor
e há tanto para fazer...

Virá o Amor.
Não irei buscar.
Virá o Amor.
E, se não vier,

Virá a Mor-
te
e me levará
e seremos, sim,
felizes para sempre.

Raul Albuquerque
08/06/2013

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Para ninar


Agora dorme, rapaz.
O dia foi infernal, sim, mas dorme.

Mesmo sem sono, sem dor, 
sem alegria, sem pesar,
sem nada - pois nada tens -,
dorme.

Ainda tem muita coisa que não
entendes, mas dorme,
que nem tão cedo tudo se resolverá.

Menino, dorme.
Dorme, porque amanhã
não será melhor nem pior:
a vida é uma peça monótona.

Dorme.
Dorme.
Dorme.

Que o sono 
é o ensaio da morte
e - quem sabe? - poderás 
chegar à excelência só ensaiando
e ensaiando e ensaiando.

Dorme.
Que, dormindo,
talvez algumas vozes se calem
ou apenas parem de gritar.

Fecha os olhos.
Fecha os olhos 
e insinua o sorriso.
O dia foi difícil, 
mas dorme, menino.

Permita-se 
esquecer um
pouco a constituição,
os artigos e os parágrafos
da carta que tantas vezes
já rabiscaste nas voltas para casa.

Agora dorme
que hoje já é amanhã.
Dorme, que 
amanhã tentarás 
de novo viver sem ligar para 
as miudezas, sem dar atenção às
coisas parecem escapar das tuas mãos.

Dorme. Dorme logo. Dorme.

(eu sei: é ridículo ficar falando isso para si próprio antes de dormir)

Raul Albuquerque
07/06/2013

quarta-feira, 5 de junho de 2013

invadido


hoje
um cão invadiu
o quintal de minha casa


mas não foi um cão qualquer

ele tinha pelos negros
e castanhos que guardavam
em si a mescla da desolação

ele tinha olhos mendigos

mas eu odeio cães
e bati a porta no seu focinho

enquanto eu lia
o tal cão choramingava 
e gemia à porta
tentando
tocar-me o coração
- logo se vê que 
era, como os outros,
irracional

e fez esse teatro todo
por quase uma hora
- o que muito me irritou
e atrapalhou minha leitura
e me fez ir dormir 
mais cedo

dormindo estive livre
daquele odioso choro
e sonhei bem
- não lembro 
bem do sonho
mas sei que sonhei

pela manhã
acordei e saí à porta
o cãozinho já não estava lá
nem seu choro irritante
nem seu olhar pedinte

onde estaria?
teria encontrado casa?
teria voltado a sua casa?
teria sido engolido pela rua?
uma vez morto
para onde iria: céu 
inferno ou éter?

Raul Albuquerque
05/06/2013

segunda-feira, 3 de junho de 2013

16%

Enigma por excelência és tu, minina.
Revela-me apenas o necessário de ti.
Yesterday, the love was a easy game to play...
Kant, Freud e Jung juntos não te entenderiam...
Ah, minina, de ti só conheço o que permites.

Tão bom é sentir-me parte do teu mundo, mas
Ainda não sei onde estou, não sei se estou.
Yesterday, the love was a easy game to play...
Num momento, sou teu e somos predestinados.
Noutro, somos estranhos, amigos distantes.
Ainda não sei quem sou, não sei se sou alguém...

Cabe a mim perguntar ou enlouquecer calado.
Assim, quando vier a resposta,
Vou poder saber onde me colocaste:
Aguardando sentado a tua vontade ou
Levando meu riso para fazermos o teu.
Conta: quem sou eu em tuas terras?
Ainda que eu seja um nome irrisório.
Não posso mais passar meus dias
Tentando me localizar em ti.
Indo, a vida vai. E, eu, fico onde?

Raul Albuquerque
03/06/2013


15%


Eu queria te suprir todas as necessidades, moça.
Rogo que Deus o faça por mim...
Yin-yang maldito...
Karma nosso de estar distantes
Apesar de sempre estarmos tão próximos.

Tanta vida que se perde
Assim: por nada.
Yin-yang insistente.
Não posso te ver triste.
Não posso deixar-te triste,
Ainda que por tantos problemas.

Conta-me os teus dias e serei todo ouvido.
Arde em sentimentos e serei braseiro.
Volte sempre...
Abre o teu diário e serei teu
Leitor fiel e incessante.
Cante-me as tuas músicas e serei cancioneiro.
Amanhã, esteja melhor que hoje.
Não ouse fugir do campo em que eu posso te ver.
Tolere os meus dramas.
Ignore-os. E faça-me feliz, sendo feliz.

Raul Albuquerque
18/05/2013

domingo, 2 de junho de 2013

Do não lembrar


Sempre admirei
o mar do esquecimento
e sentava na areia
só para ouvir 
o chiar vazio do
desmanchar das lembranças.

Sempre tive péssima 
memória e 
só me lembro 
do que não importa.

Sempre me perdi nos anos
e nas datas.
Já mergulhei
no mar do esquecimento
só para tentar
esquecer-me de mim.

Mas não deu certo.

Sempre desejei
que as ondas avançassem
e me arrastassem

sem pedir licença...
desejei como 
se deseja amanhã
sem saber como será.

Sempre quis
poder escolher o que lembrar,
mas esqueci.
E ainda esqueço.

Para esquecer,
já tomei banho de mar,
já tomei banho de chuva,
já tomei banho de rio...
E lembro de tudo isso.

Memórias se quebraram 
nos arrecifes.
Memórias escorreram
pelo corpo até o chão.
Memórias foram

no curso do rio.

Algumas foram para sempre,
outras me visitam em certas noites
em que a chuva cai e
no ressoar do telhado
ouço falas antigas
e até então
esquecidas.

Raul Albuquerque
02/06/2013


sábado, 1 de junho de 2013

Inconstitucional



O amor tem suas urgências.
Da urgência, deu-se a ironia do acaso.
Do acaso, o desencontro.
Do destino, se fez labirinto.
Disseram que perder-se também é caminho.
Acho os desencontros inconstitucionais.

Acho os encontros crueis.
Da crueldade, o gozo.
Da alegria, a ansiedade em ser feliz de novo.

E a frustração, por fim.

Acho a vida um monarca despótico.
Quando eu for rei,
ser feliz será direito inalienável.



Raul Albuquerque
e
Rosana Barros Varela


01/06/2013