Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

quarta-feira, 1 de maio de 2013

O "crepúsculo" de Pablo Neruda


Ninguém nasce Pablo Neruda - nem o próprio Pablo Neruda nasceu Pablo Neruda. 

Explico: o nome "real" de Neruda é Neftalí Ricardo Reyes Basoalto (o pseudônimo e seu motivo nunca foram bem explicados pelo escritor)

A grandiosidade alcançada pelo poeta chileno no auge de sua produção é resultado, não de um milagre, mas de um processo. Quem lê "Residência na terra" há de entender que antes do meio-dia sempre há uma manhã crepuscular, assim sendo, Pablo Neruda inicia-se na literatura com um livro profético: "Crepusculário".

Crepusculario. Pablo Neruda

O livro reúne os poemas escritos por Neruda entre os dezesseis e os dezessete anos, quando, segundo o próprio, escrevia entre dois e cinco poemas diariamente. Já no "Início" (primeiro poema do livro), o precoce gênio avisa:

"Fecho, fecho os lábios, mas em rosas frementes
se desata minha voz, como água na fonte.

Que não são pomposas, que não são fragrantes,
são as primeiras rosas - irmão caminhante -
de meu desconsolado jardim adolescente."

A primeira publicação consta de 1923, quando o iniciante Neruda ainda publicava avulsamente em jornais e revistas, e é dividida em "capítulos". 
O primeiro é Helios. Nele, tomam destaque os questionamentos sobre Deus (observado com ênfase em "Pantheos"), sobre o tempo (como em "Velho cego, choravas") e sobre o amor (em "Novo soneto para Helena"), mas em todos vê-se uma forte influência parnasiana e surrealista:

"Se quiseres não nos diga de que ramo somos,
não nos diga quando, nem nos diga como,
mas nos diga para onde nos levará a morte..."
(trecho de Pantheos)

"Porque se tu conheces o caminho que leva 
em dois ou três minutos para a vida nova,
velho cego, o que esperas, o que podes esperar?"
(trecho de Viejo ciego, llorabas)

"E será tarde, porque se foi minha adolescência,
tarde porque as flores uma vez só dão essência
e porque ainda que me chames estarei tão longe..."
(trecho de Novo soneto para Helena)


O segundo é Fareweel, y los sollozos. Nele, o amor toma destaque, mas o aspecto parnasiano perde força, dando espaço para uma forte carga surrealista, na temática, e modernista, na estética. Farewell, que parece ser o poema central (e titular) do capítulo, destaca-se como uma carta - interrompida por parênteses literais.

"(Amo o amor dos marinheiros
que beijam e se vão.

Deixam uma promessa.
Não voltam nunca mais.

Em cada porto uma mulher espera:
os marinheiros beijam e se vão.

Uma noite se encostam na morte
no leito do mar.

(4)

Amo o amor que se reparte
em beijos, leito e pão.

Amor que pode ser eterno
e pode ser fugaz.

Amor que quer libertar-se 
para voltar a amar.

Amor divinizado que se achega.
Amor divinizado que se vai.)"
(Trecho de Farewell)

"Como saberia amar-te, mulher, como saberia
amar-te, amar-te como ninguém soube jamais!
Morrer e ainda 
amar-te mais.
E ainda 
amar-te mais
                       e mais."
(Trecho de Amor)

" Amor - chegado que tenhas
  a minha fonte distante,
  torce-me as vertentes,
  crispa-me as entranhas.
E assim uma tarde - amor de mão crueis -,
ajoelhado, te agradecerei."
(Trecho de Grita)

O terceiro é Los Crepusculos de Maruri. Segundo o próprio Neruda, os poemas desse capítulo foram escritos por ele enquanto admirava os poentes. Eles focam nos devaneios advindos dessa contemplação e são tomados pelo experimentalismo modernista.

"A tarde sobre os telhados
cai
e cai...
Quem lhe disse que viesse
asas de ave?

E este silêncio que enche
   tudo,
de que país de astros
   veio só?
E por que esta bruma
   - pluma trêmula -
beijo de chuva
   - sensitiva -

caiu em silêncio - e para sempre -
   sobre minha vida?"
(Poema La tarde sobre los tejados)

"Minha alma é um carrossel vazio no crepúsculo..."
(Poema Mi alma)

"Minhas alegrias nunca saberás, maninha,
e esta é a minha dor, não as posso te dar:
vieram como pássaros a pousar em minha vida,
uma palavra dura as faria voar."
(Trecho de Hoy, que es el cumpleaños de mi hermana)


O quarto capítulo é Ventana al camino. Nele, o surrealismo ganha força total e as metáforas - quase herméticas - tomam os poemas.

"Entretanto é tão vasto céu
e roda o tempo, entretanto.
Estender-se e deixar-se levar
por este vento azul e amargo!..."
(Trecho de Playa del Sur)

"Ela - a que me amava - morreu na Primavera.
Recordo ainda seus olhos de pomba em desconsolo.

Ela - a que me amava - fechou os olhos. Tarde.
Tarde de campo, azul. Tardes de asas e voos."
(Trecho de Poema en diez versos)

O quinto capítulo é Pelleas e Melisanda. Não por acaso, referência à opera de Claude Debussy. Esse capítulo põe-se como releitura da obra, um diálogo entre os personagens.

"Melisanda
Em teus braços, enredam-se as estrelas mais altas.
Tenho medo. Perdoa-me por não ter chegado antes.

Pelleas
Um sorriso teu apaga todo um passado:
guardem teus lábios doces o que já está distante.

Melisanda
Em um beijo, saberás tudo o que calei."
(Trecho de Melisanda e Pelleas)


O sexto e último capítulo é Final.

"Vieram palavras, e meu coração,
incontível como um amanhecer,
rompeu-se me palavras e se apegou ao voo,
e em suas fugas heroicas levam-no e arrastam-no,
abandonado e louco, e esquecido debaixo delas

como um pássaro morto debaixo de suas asas."
(Trecho final de Final)

VIVA NERUDA!

(todos trechos destacados foram traduzidos por Raul Albuquerque)

Nenhum comentário:

Postar um comentário