Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

domingo, 12 de agosto de 2012

Último Passeio



Era noite densa e ele só via a névoa que tomava a rua. O dia havia sido monótono. Seus olhos ansiosos quase não piscavam e pediam que algo acontecesse urgentemente - pois bem, nada aconteceu. Ele desceu à rua para ver se algo acontecia - pois bem, nada aconteceu.
Decidiu sair para ver a cidade à noite - sem considerar os perigos de sair naquele horário sem avisar a ninguém, pois mulher e filhos dormiam.
O primeiro passo foi difícil. "Como é difícil fazer o que nunca se fez!", ele pensou em voz baixa. Respirando fundo o ar frio que andava por ali, ele foi andando pela rua de sua casa, que era iluminada, mas estava deserta. Para ele, o ato de sair andando pela rua por nada era ilógico - mas pareceu-lhe necessário.
Virou a esquina sem medo - mas com ânsia, aquela ânsia que toma as crianças no dia anterior a uma viagem ou a um passeio e que as deixa sem sono, sem fome, sem outras vontades, que as prende de modo singelamente escravista.
A rua pela qual ele andava agora era longa e pontualmente iluminada – era necessária muita perícia para não tropeçar em pedras ou pisar em buracos. Mas ele seguia – sem rumo e sem guia, mas seguia.
Numa calçada pouco limpa, onde dormiam alguns homens barbudos, ele sentou-se sem motivo e ali ficou por alguns minutos. Ali pensou em como não havia construído nada e como tudo em sua vida estava sem perspectiva de futuro – ao menos, de um bom futuro.
“Nada vai bem, mas... como as pessoas permanecem inertes diante de um prenúncio tão claro? Como eu permaneci tanto tempo inerte? Por que permaneço inerte? Talvez, porque é mais fácil ficar inerte e fingir que nada acontecerá – mas... e quando acontecer, o que faremos?”, divagava ele.
Imaginou a imagem dele, ali sentado, ela horrorizou-lhe e ele levantou rapidamente. Limpou as mãos e a calça – simultaneamente – num ato reflexo. “Como faço coisas de modo automático! Não posso me orgulhar disso.” Recriminou-se.
Era madrugada e só ouvia-se o vento na rua. Ele vagava e divaga pela rua. Sem sono, ele continuou andando e vendo mães dormindo abraçadas aos filhos – aos muitos filhos – e lembrou-se dos seus filhos: três crianças ingratas e irritantes, segundo ele. Viu também homens – provavelmente bêbados – abraçados a cachorros – “dizem que os iguais já não se repelem”, pensou num respingo de humor próprio.
Não havia lágrimas ou soluços, mas havia choro e aquele lugar era choro. Sem lágrimas e com chuva. Sem soluços e com uivos dos ventos noturnos. Tudo ali era choro.
Seus olhos fecharam-se lentamente e, quando abriram, avistaram uma criança dormindo sozinha. Seu ímpeto era ir até lá e levar aquela pobre e anônima para a sua casa – mas ele percebeu que ele não era assim, algo havia de errado com ele. A criança ali permaneceu.
Noutro relance, ele sentou-se na calçada e viu uma mulher – velha, negra e gorda – que lhe lembrava sua avó. Para ser sincero, ele nunca conhecera sua avó, mas imaginava-a assim. Pensou em deitar ali e até inclinou as costas, mas o chão pareceu-lhe desconfortável – duro e frio. Seguiu viagem e voltou para casa – tudo voltaria ao normal, ao caos normal.
Ao chegar a sua casa, percebeu que a mulher esperava-o sentada na cama – sonolenta e inexpressiva, como sempre. Ela perguntou-lhe o que houvera acontecido e aonde ele fora àquela hora, e ele respondeu: “Fui fazer um passeio.” Deitou-se e dormiu em pouco tempo.Na manhã seguinte, ele não estava lá. Tudo no lugar certo e um bilhete mal-escrito que dizia:
“Fui passear, não me espere, é possível que eu não volte, é possível que eu volte, é possível tudo, tudo é possível, durma agora, é domingo, ainda há tempo para dormir, durma, pois é domingo. Mas, a mim, não importa se é domingo, não poderia continuar dormindo. Do seu viandante sobre as nuvens.


Raul Cézar de Albuquerque
- Aventurando-me nos contos.

2 comentários:

  1. Meu amado amigo/irmão belíssimo,é um texto como esse que noa dá um estalo sobre nossa verdadeira realidade.

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  2. Eu demorei um pouco para terminar de ler...
    Me lembrou a demora de quando leio Tolkien, mas de maneira menos, er, demorada - matemática trava minha mente certas horas, ignore.

    Parabéns. o/

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