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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Crítica do livro "A morte de Ivan Ilitch"



O conde Leon Tolstói é um dos meus preferidos no campo da literatura, o meu preferido na literatura russa e seu livro “A morte de Ivan Ilitch” é o meu preferido em qualquer ramo considerado na literatura universal.

A afirmação supracitada é minha, toda minha. Há muito tempo venho procurando o meu livro preferido e, finalmente, o encontrei. O livro me prendeu de uma forma que o li em um dia e meio [e, se não fosse a minha proposta das férias, eu o teria lido novamente].
A crítica segue:

O livro começa pelo final [inovação se considerarmos seu lançamento em 1886]. No começo já temos a sentença que rege a história e determina o fim da novela.
“É com profundo pesar que Praskovya Fiodorovna participa a amigos e parentes a passagem de seu estimado esposo, Ivan Ilitch Golovin, membro da Corte Suprema, que deixou esta vida no dia  04 de fevereiro do ano da graça de 1882. O enterro acontecerá na sexta-feira, à uma hora da tarde” Pág. 05
Tolstói faz questão de dedicar uma longa parte da obra para nos ajudar a compreender Ivan Ilitch. Algo que demonstra intensa e perfeita profundidade psicológica.
“Ivan Ilitch era le phenix de la famille [...] Nem tão frio e formal quanto o irmão mais velho, nem tão rebelde quanto o mais jovem, era um simpático meio-termo entre os dois – um homem inteligente, educado, bem-disposto e agradável.” Pág. 20
As relações de Ivan são muito dissecadas e as análises de Tolstói chegam a ser risíveis por causa da simplicidade com que toma tais assuntos. A relação de Ivan com a família é destacada superficialmente, mas sua relação consigo próprio, com a mulher, com os filhos e com os amigos é muito explorada.
“[...] Perguntou-se: ‘Afinal de contas, por que não casar?’ Praskovya Fiodorovna vinha de boa família, não era nada feia e tinha algumas posses. [...] E foi assim que Ivan Ilitch casou-se” Pág. 26
O que Ilitch não esperava era que sua família fosse trazer problemas sérios e constantes para a sua vida. A esposa, antes perfeita, tornara-se controladora e exigente, ou seja, carente demais. Ivan vê-se numa situação desconfortável, mas já sabe o que fazer para sair dela.
“O nascimento da criança, as tentativas fracassadas de amamentá-lo e as várias doenças, reais e imaginárias, que acometeram mãe e filho, nas quais a ajuda de Ivan Ilitch era cobrada, mas sobre as quais ele não entendia nada, tudo isso contribuiu para se tornar mais urgente para ele a construção de um muro que o isolasse da vida familiar” Pág. 28
A vida superficial e vazia de Ivan é destrinchada e criticada, simultaneamente, mas com tom de felicitação irônica por ter alcançado este tipo de vida. Muitas vezes comparado a um ator, ele configura-se ao mesmo tempo como artista da palavra e falso vivente.
“Mas onde cessassem as relações oficiais, cessava também qualquer forma de contato. [...] Ivan Ilitch fazia tudo isso não apenas com leveza, prazer e perfeição, mas como quem realiza um trabalho artístico.” Pág. 41
Mas a vida semi-humana do próprio Ivan Ilitch vê-se abalada por uma situação bem humana, uma doença. Seu processo de humanização é descrito magistralmente por Tolstói. Começa por algo bem humano, nada mais humano que a dúvida.
“Nós, os doentes, sem dúvida fazemos muitas perguntas inadequadas. Mas diga-me, de modo geral, assim por cima, esses sintomas lhe parecem graves ou não?” Pág. 48
Depois da dúvida não respondida, o processo continua e Ivan é tomado pelo desespero. O desespero que é um mix de silêncio de todo mundo com uma gritaria interna, lá na alma.
“Seu coração se apertou, sua cabeça girou. ‘Oh, meu Deus! Oh, meu Deus!’” Pág. 60
Depois da dúvida e do desespero, emerge na alma do próprio Ivan o maior indício da sua humanidade, o medo da morte. Vendo-se tão humano ele vê-se como mortal, e um mortal próximo de seu destino final.
“Ele então ia para seus aposentos, deitava-se e outra vez ficava a sós com ela [a morte]. Cara a cara com ela. E não havia nada que ele pudesse fazer com ela, a não ser olhar e estremecer.” Pág. 67
O fim inevitável e a situação indigesta confluem para um ponto nítido e claro. Embora seja pesada, a verdade é muita presente.
“[Tudo] concentrava-se em um único ponto: saber quando ele afinal partiria e libertaria finalmente os vivos do constrangimento de sua presença e a si próprio de seu sofrimento.” Pág. 68
Nesse processo de humanizar-se, Ivan prossegue como humano, e, como todo humano, ele percebe que precisa das outras pessoas. No meio da hipocrisia e das falsas demonstrações de sofrimento, Ivan Ilitch encontra um apoio sincero e permanente no seu empregado Gerassim. Se fosse num livro de Wilde, eu acharia estranho, mas como é Tolstói, russo de verdade, acho que era só amizade.
“Gerassim fazia tudo calmamente de boa vontade, com simplicidade e uma boa vontade que comoviam Ivan Ilitch. Nas outras pessoas, saúde, força e vitalidade ofendiam-no, mas a força e a vitalidade de Gerassim, ao contrário de aborrecê-lo, transmitiam-lhe calma.” Pág. 72
Chegando ao auge da sua humanização, depois de sentir dúvida, desespero e solidão interna e externa, Ivan começa a dirigir-se a Deus. Bem humano este Ivan, não é?
“Por que o Senhor fez isso comigo? Por que me fez chegar até esse ponto? Por quê? Por que torturar-me tão horrivelmente?” Pág. 87
O fim estando próximo, Ivan começa a lembrar-se do início. Com tom de nostalgia e chega a uma conclusão: “Assim como a dor piora cada vez mais, minha vida toda foi progressivamente piorando.” Mas Tolstói põe sua opinião sutilmente com seu tom de nota de rodapé.
“A vida, uma série de sofrimentos cada vez maiores, acelera rapidamente para o final e este final é o sofrimento mais terrível.” Pág. 93
Ilitch começa a entender o que se passa ao seu redor e começa a revoltar-se no fim de sua vida. Algo pouco entendível para quem sempre conviveu com o Ivan semi-humano.
“Era verdade, disse o médico, que a dor de Ivan Ilitch era terrível, mas, pior do que ela, eram seus sofrimentos mentais, sua pior tortura.” Pág. 95
Ivan tem medo do seu futuro fim, mas tem um medo gritante de seu passado frio, oficial, calado, formal.
“[Ivan pensou] ’E se na verdade toda a minha vida tiver sido errada?” Pág. 95
Quando a morte chega para Ivan, não há desespero nem medo. Apenas há a morte, ela por si própria, com seu manto apassivador.
“’A morte está acabada’ disse para si mesmo. ‘Não existe mais. ’ Respirou profundamente, parou no meio de um suspiro, esticou o corpo e morreu” Pág. 101
Um livro curto e conciso sem deixar de ser complexo.

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