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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Crítica do Livro "Lituma nos Andes"


Quem leu minha crítica ao livro “A cidade e os cachorros”, sentiu que eu gostei muito do estilo do peruano Mario Vargas Llosa, embora não tenha poupado os pontos negativos.
Gostei. Gostei muito da teia narrativa deste gênio de nossos dias, digno, mui digno do Nobel que recebeu. Gostei tanto que fui procurar outro livro dele para ler, para concretizar a sua imagem de bom escritor em minha cabeça. Num dia, de bobeira, numa livraria encontrei este livro com uma capa muito bonita, mas o que me fez comprar o livro foi uma pequena colocação na quarta capa, dizia assim:
“Uma crítica social bem-costurada, tão afiada qualquer livro de Balzac ou Flaubert.” The Washington Post.
Crítica social, tudo bem. Qual escritor não faz isso de vez em quando? Bem-costurada, eu já esperava. Não seria o ponto-chave da genialidade de Llosa? Mas... Compará-lo a Honoré de Balzac e a Gustave Flaubert, ícones eternos das literaturas francesa, realista e universal, era demais pra mim.
Comprei. Não me arrependi. Segue a minha crítica:

Lituma, o protagonista, é um cabo do exército peruano. Tomás Carreño é seu ajudante. Ambos vivem num posto policial, na encosta de um morro próximo a um acampamento de trabalhadores de uma obra que tem tudo pra não terminar. Lituma e Carreño têm uma missão: descobrir a razão de três desaparecimentos e os culpados pelos mesmos.
Do começo já percebemos o poder de descrição poética de Llosa que não é carregada como os textos de Tolkien nem leve demais como os textos de L. Frank Baum. Tais descrições tomam o livro do início ao fim.
“[...] a mulher deu meia-volta e foi enfrentar o aguaceiro. Poucos minutos depois tinha se dissolvido na umidade plúmbea, rumo ao acampamento.” Pág. 14
A crítica social de Llosa citada pelo The Washington Post não se encaixa na ordem econômica nem política (embora também exista), mas na visão cultural do povo peruano. Llosa critica ferozmente aquela sociedade supersticiosa demais, que não nega suas raízes indígenas, que não esquece seus rituais.
“– Disse o que vi. Que ele ia ser sacrificado para aplacar os malignos que causam tantos danos na região. E que foi escolhido por que era impuro.” Pág. 38
O que me impressiona em Llosa é sua capacidade de entrelaçar histórias que, aparentemente, nada têm em comum. O que ocorre é que ele inicia uma narrativa linear, depois a interrompe, conta uma pequena história totalmente diferente da narrativa, logo depois volta à narrativa e liga a narrativa à pequena história. É fascinante.
Seguindo a tradição literária latino-americana, o livro tem ligações claras com o período em que o Peru foi dominado por muitas milícias leninista-marxistas. Dando um tom de humanidade, ele singulariza e humaniza o guerrilheiro peruano.
“Era um jovem com um olhar duro, com a expressão de alguém que sofreu muito e que odeia muito. Como podia, sendo quase um menino?” Pág. 47
O cabo Lituma não fica só na idealização, mas também tem seus desejos expressos através de Llosa, às vezes sem muita classe, porém com muita sinceridade.
“– Cinco de uma vez! Trocar de fêmea todo dia, toda noite, como se troca de cueca ou de camisa. E nós dois aqui de mãos abanando, Tomasito.” Pág. 55
Também é interessante ver o contraste entre o experiente e já mutilado cabo Lituma e o jovem e ainda romântico Tomás Carreño. Carreño desenvolve uma paixão não-correspondida por uma mulher que não quer nada com ele e, no acampamento, usa Lituma como ouvido-amigo.
“[Lituma diz] Não precisa ter vergonha. Umas lágrimas não fazem ninguém desmunhecar.” Pág. 66
“[Carreño diz] Eu iria até a cela dela só para me ajoelhar e adorá-la. Ela é minha Santa Rosa de Lima.” Pág. 242
Numa das historietas paralelas, Llosa conta a história da cidade de Andamarca. Lá, uma milícia chegou e iniciou um julgamento popular para pequenas causas pessoais. O fim não foi muito bom.
“Por volta do meio-dia, muitos andamarquinos já se aventuravam a ir até o centro da praça para manifestar suas queixas, fazer suas recriminações e apontar os maus vizinhos, os maus amigos, os maus parentes. [...] Todos foram condenados por um bosque de mãos. [...] Foram executados de joelhos, apoiando as cabeças num broquel de poço d’água.” Pág. 70
O conflito cultural é muito presente. Os da costa contra os índios. Há uma espécie de etnocentrismo exacerbado muito criticado pelo escritor. A crítica social vai também à imaturidade cultural e social dos moradores dos Andes que não negam suas raízes indígenas, mesmo que estas sejam uma ameaça a eles próprios, como povo que são.
“– Engolem qualquer bobagem, como essas histórias de pishtaco e de muki, coisas que ninguém acredita mais em nenhum lugar civilizado.” Pág. 92
“O que faziam para que a morte não derrotasse a vida? [...] Ele sabia que só seria chefe e autoridade até lá; depois, o sacrifício. [...] Morria como herói, querido e reverenciado. Isto é o que ele era: um herói. [...] Seu reinado acabava em sangue.” Pág. 235
No decorrer da história, Llosa não nega a sua carga de influências realistas e começar a indicar ideias mais deterministas, onde até o próprio Lituma começa a se acostumar com as “ideias” daquele povo, que no princípio eram tão repudiadas. O escritor passa a ideia de que Lituma nada pode fazer contra a tradição. Uma tradição cruel, mas uma tradição cultural que permeou os séculos.
“– Em compensação, o senhor conserva a cabeça fria neste manicômio, meu cabo.
  – Deve ser por isso que me sinto tão desambientado em Naccos, Tomasito.” Pág. 243
O desfecho da história é surpreendente. Não deveria ser, pois o leitor é preparado para tal fim a cada capítulo, mas Llosa conta o fim de modo tão frio e natural que o leitor se espanta (Algo que me lembra o mestre José Saramago, a frieza). Assim, um fim que tinha tudo para ser incrível é desprezado – pela falta de expressão – e focalizado – pela sua natureza cruel – ao mesmo tempo.
Após toda uma narrativa pesada e cheia de crueldades e vazios emocionais, aparece um final feliz. Um final que emerge do nada, uma flor no meio do deserto. No epílogo, tudo se resume e se ajusta muito bem, nada fica solto no ar.
Mario Vargas Llosa, um gênio como poucos em nossos dias. O livro é tão bom que fico tentado a dar nota dez ao livro, mas por alguns conceitos defendidos prolixa e friamente dou 9,5. Estou ávido por mais de Llosa. Fique com a última colocação do livro, algo de prosa poética.
“[...] Sentiu uma lufada de vento gelado e, apesar do seu aturdimento, viu que a esplêndida meia-lua e as estrelas iluminavam com toda nitidez, num céu sem nuvens, os agudos picos dos Andes.” Pág. 270

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