Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sentimentos bonitinhos = Literatura ridícula


Toda vez que eu entro numa livraria e vejo a mesa de indicações ou de mais vendidos sinto uma repulsa que o meu vocabulário não possui palavras para descrever com completude de informação. [exagerei]

Fato é que parece que todo o lixo literário recém-produzido está ali. E isto me enoja. 

Ver ali os livrinhos açucarados de Nicholas Sparks, ou as depressões improdutivas de seguidoras mal-formadas de Clarice Lispector, ou de historinhas com vampiros brilhantes, bruxos adolescentes e lobisomens que desconhecem o advento da camisa.



André Gide

Neste momento, eu me lembro das belas e precisas palavras do gênio da literatura, André Gide, Nobel de Literatura de 1947, quando ele diz assim:

"É com os bons sentimentos que faz a literatura ruim."

Meus caros, eu ainda preciso dizer alguma coisa?
Os bons escritores são aqueles que conseguem fazer arte mesmo com os sentimentos mais pesados, humanos e antipoéticos que conhecemos.

Falar de amor e ganhar público? Qualquer menino de ensino fundamental faz isso.
Falar de dilemas cotidianos e ganhar o público feminino? É só ser piegas, e você realiza seu sonho.
Falar de fantasias andrógenas e ganhar o público adolescente? É só não exigir muito Q.I., e pode ir para a editora.


Eu quero ver Saramagos que falem da nossa raiz animal com poesia em outro "Ensaio sobre a cegueira"! 

Eu quero ver Gracilianos que discorram sobre a desumanidade dos seres humanos dados a situações extremas em outro "Vidas Secas"! 
Eu quero ver Wildes falando da efemeridade da beleza e da ilogicidade das vaidades humanas em outro "Retrato de Dorian Gray".

Quando chego à livraria, eu quero ver literatura de verdade, não diários femininos de oitava série.



Vida Seca...


Gostei deste poema, há algo nele de muito próprio, muito MEU. Esta questão de que as qualidades nem sempre são totalmente benéficas. Às vezes, só as virtudes não conseguem preencher toda uma vida... Então, nasce uma Vida Seca...

Aqui dentro, sinto uma estranha sequidão.
Percebo que a auto-suficiência era ilusória.
Talvez toda esta minha frieza e precisão,
Só pioraram a minha inexpressiva história.
Todos estes conceitos me aniquilarão:
Triste fim, minhas armas tirando-me a vitória.

Meus imensos poços de controle e erudição
Já não servem. Pois minha seca é de vida.
Minha seca é de qualquer pura emoção.
Minha vida está seca de alegria dividida.
Enquanto isso, meus conceitos permanecerão.
Meus preconceitos também. E a minha ferida.

Nestas tentativas de entender, não vivi.
Com a opção de viver, decidi entender.
Agora entendo que não vivi, nem vi.
Entendo que a vida tentou me entreter.
Mas entendo que eu estou morto por aí.
Morri de tentar entender o que é viver.

Agora, inexistente, posso dizer com verdade
Que a vida não pode nem deve ser entendida.
Apesar do clichê, não abro mão da veracidade:
A vida foi feita simplesmente pra ser vivida.
Independente do desejo e da aparente necessidade,
Apenas viva a chegada, a jornada e a despedida.

Raul Cézar de Albuquerque
24/12/2011

Não há garantias


Não sei o porquê, mas este poema não fluiu como deveria. A ideia, eu até acho boa, esta questão do perigo, da incerteza e da falta de garantias. Mesmo diante desta considerações iniciais fiquem com a certeza de que Não há garantias...

Não há cláusula de garantia
No contrato da vida.
Não garante eterna alegria,
Nem anestesia na ferida.

Só consigo claramente me lembrar
De uma cláusula que vi quando era criança,
Pois me disseram pra memorizar:
“Você sempre pode ter esperança.”

E nenhuma possível situação
Pode anular a validade deste direito.
Nenhuma crise ou solidão,
Pode vir a enfraquecer o seu efeito.

“Você sempre pode ter esperança.”
Nós nunca podemos nos esquecer desta verdade,
Pois, mesmo quando a gente cansa,
Sempre há uma saída que nos leva à felicidade.

Eis a nossa verdade: Não há garantias!
Ninguém garante que você sempre terá paz.
Nada garante a felicidades nos teus dias.
Nem se pode garantir que você viverá mais.

Mas, para esta regra, há uma exceção,
Mesmo quando seu mundo gira, treme e balança,
Nunca deixe isso fugir da sua visão:
Você sempre, sempre pode ter esperança.

Raul Cézar de Albuquerque
21/12/2011 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Um certo Caio F. Abreu (2)


Caio Fernando Abreu é, indubitavelmente, o poeta mais lembrado da nossa época e o que exerce maior fascínio sobre esta nova geração.

Nunca escondi minha aversão a tudo que faz estrondoso, ou até relativo, sucesso. Em geral, o que é bom para a massa não é bom de verdade. Creio que Caio F. A. realmente não é exceção a tal  regra.

Seu estilo feminino é muito claro. Os seus textos parecem fofocar sobre a própria vida, e fofocar é o termo certo. Sua escrita mescla Clarice Lispector com Oscar Wilde, mas nem arranha a qualidade dos dois.

Com seus discursos ultrarromânticos, faz-se como uma versão feminina de Lord Byron. Mesmo que às vezes tente ser mais realista, seu tom de eterna confidência sentimental não deixa.

Quando fala sobre Deus, alcança o auge do clichê pós-moderno acerca do deus-que-é-amor-só-amor-e-que-só-faz-o-que-nós-desejamos. O deus de Caio Abreu é muito idealizado e corresponde à frase: "Quando algo bom nos acontece, foi Deus, mas se algum ruim nos acomete, ou foi o diabo (pros mais religiosos), ou foi o destino (para os mais relax)". O deus de Caio Abreu não existe.

Esta geração tem se afundado neste tipo de literatura e, com isso, não consegue respirar arte sóbria. Arte sem a máxima romântica de que "arte é desequilíbrio", a arte que edifica. A arte que tem se perdido, porque as pessoas tem seu perdido tempo sofrendo com os dilemas pseudo-profundos de Caio Fernando Abreu e suas adjacências contemporâneas.

Tendo lido muito de T. S. Eliot, e este inglês do século passado me ensinou algo notável...


Nós somos os homens ocos

Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!

Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada


Fôrma sem forma, sombra sem cor

Força paralisada, gesto sem vigor;

Entendem? Nós somos "o elmo cheio de nada", ou seja, pronto para a batalha, mas vazio. "Quando juntos sussurramos..." - o importante não é a união das pessoas, mas a entonação e o conteúdo do que é dito. Por isso não gosto de sussurrar junto com todos, antes prefiro gritar meus poemas cansativos dos séculos passados.

Até a próxima...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Preparar-me para a caminhada...



Eu entendi este poema como uma continuação do "Olhar para o nada". Iniciado, entrou pela madrugada e demorou mais que o normal para ser terminado, mas eu gostei. Preparem-se para a caminhada!



Decidido a iniciar minha caminhada,
Agora, preciso decidir o que levar comigo.
A mochila não pode ficar muito pesada,
Porque se estiver pesada, eu já não sigo.

Olhando para tudo o que guardo,
Percebo que não poderei levar tudo,
Pois será um insuportável fardo.
E, levando-o, eu não me ajudo.

Preciso escolher entre as velhas certezas
E minhas dúvidas a serem respondidas,
Pois dúvidas não representam incertezas,
Apenas, verdades ainda não estabelecidas.

Preciso escolher entre as mentiras disfarçadas
E estas falsas verdades que eu adotei.
Não sei se preciso delas pra minha caminhada.
Mas, as verdades, todas eu levarei.
Mesmo que algumas se percam na jornada,
Elas serão os alicerces que precisarei.

Preciso optar entre os pragmatismos pesados
E as leves expectativas para o futuro.
Porque, depois de todo caminho caminhado,
Preciso estar no mínimo seguro.
Além do mais, preciso lembrar bem do passado,
Pois eu acho que isso me fará maduro.

Penso em levar minhas esperanças,
Mas já não sei se elas são o que eu preciso,
Eram quando eu era mais criança,
Mas acho que hoje preciso mais de bom siso.

Tem sido difícil decidir o que levar,
Porque o caminho é longo e bem duvidoso.
E, preparar-me para caminhar
Tem sido um processo complicado e doloroso.

Raul Cézar de Albuquerque
19-20/12/2011

Imortalidade...



Seguindo a linha do "Envenenar-me", este poema vai apresentar um novo e tenebroso desejo em mim. O desejo de imortalidade é o assunto do poema, gostei da técnica de retomada que vejo como uma marca minha. Mas lendo o poema, percebo... preciso fazer análise:



Eis o principal anseio da humanidade.
Eis o motivo de toda e qualquer ação.
Eis o nosso sonho, a imortalidade
Que não passa de revolta a nossa condição.

Esta condição de insignificância,
De penosa e lastimável fragilidade,
Esta situação de mendicância
Sempre querendo mais vitalidade.

Esta vitalidade que nos vai sendo tirada.
Esta nossa vida que se vai com o tempo.
Esta eternidade que é tão almejada,
Mas que, distante, nos faz viver o momento.

Este momento de medo e incerteza.
Este breve período de condição humana.
Este que é breve com certeza,
Pois a morte sempre nos engana.

Engana-nos falando de uma longa vida
Que não existe nem em pensamento,
Pois, se pensarmos, a nossa despedida
Pode acontecer a qualquer momento.

Voltamos ao momento de incerteza
Que nos perseguirá pela eternidade.
E, é esta duvidosa eternidade tem a beleza
Que nos faz sonhar com a imortalidade.

Raul Cézar de Albuquerque
16/12/2011

Amor sem Romantismo (2)


Há um bom tempo, eu escrevi este poema e sempre achei que faltava alguma coisa, pois a ideia era boa, a base era excelente, mas o poema nunca fluiu bem. Na verdade, eu não gostava da primeira versão do poema, e fiz esta new version:


Minha bomba retrátil retroativa funciona com maior potência,
Quando minha visão te alcança ou ouço da tua inteligência,
Qualquer objeto ou ato ativa meu hipocampo,
Por que será que meu cérebro te admira tanto?
Meu olfato entra em colapso quando sente o teu aroma,
A névoa que te segue me faz crer que sofro de glaucoma,
Sentir-te me faz meu sistema nervoso liberar endorfina,
Tua voz deslumbra minha audição, esta voz de menina,
Meu cérebro sai do funcionamento habitual,
Encantamento seria pouco pra algo tão especial,
Sinto algo que traz alegria mesmo no meio do estupor,
Estou sentindo o que alguns denominam por “AMOR”.

Raul Cézar de Albuquerque
31/01/2010 | Atualizado/Melhorado em 14/12/2011

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Crítica do livro "A morte de Ivan Ilitch"



O conde Leon Tolstói é um dos meus preferidos no campo da literatura, o meu preferido na literatura russa e seu livro “A morte de Ivan Ilitch” é o meu preferido em qualquer ramo considerado na literatura universal.

A afirmação supracitada é minha, toda minha. Há muito tempo venho procurando o meu livro preferido e, finalmente, o encontrei. O livro me prendeu de uma forma que o li em um dia e meio [e, se não fosse a minha proposta das férias, eu o teria lido novamente].
A crítica segue:

O livro começa pelo final [inovação se considerarmos seu lançamento em 1886]. No começo já temos a sentença que rege a história e determina o fim da novela.
“É com profundo pesar que Praskovya Fiodorovna participa a amigos e parentes a passagem de seu estimado esposo, Ivan Ilitch Golovin, membro da Corte Suprema, que deixou esta vida no dia  04 de fevereiro do ano da graça de 1882. O enterro acontecerá na sexta-feira, à uma hora da tarde” Pág. 05
Tolstói faz questão de dedicar uma longa parte da obra para nos ajudar a compreender Ivan Ilitch. Algo que demonstra intensa e perfeita profundidade psicológica.
“Ivan Ilitch era le phenix de la famille [...] Nem tão frio e formal quanto o irmão mais velho, nem tão rebelde quanto o mais jovem, era um simpático meio-termo entre os dois – um homem inteligente, educado, bem-disposto e agradável.” Pág. 20
As relações de Ivan são muito dissecadas e as análises de Tolstói chegam a ser risíveis por causa da simplicidade com que toma tais assuntos. A relação de Ivan com a família é destacada superficialmente, mas sua relação consigo próprio, com a mulher, com os filhos e com os amigos é muito explorada.
“[...] Perguntou-se: ‘Afinal de contas, por que não casar?’ Praskovya Fiodorovna vinha de boa família, não era nada feia e tinha algumas posses. [...] E foi assim que Ivan Ilitch casou-se” Pág. 26
O que Ilitch não esperava era que sua família fosse trazer problemas sérios e constantes para a sua vida. A esposa, antes perfeita, tornara-se controladora e exigente, ou seja, carente demais. Ivan vê-se numa situação desconfortável, mas já sabe o que fazer para sair dela.
“O nascimento da criança, as tentativas fracassadas de amamentá-lo e as várias doenças, reais e imaginárias, que acometeram mãe e filho, nas quais a ajuda de Ivan Ilitch era cobrada, mas sobre as quais ele não entendia nada, tudo isso contribuiu para se tornar mais urgente para ele a construção de um muro que o isolasse da vida familiar” Pág. 28
A vida superficial e vazia de Ivan é destrinchada e criticada, simultaneamente, mas com tom de felicitação irônica por ter alcançado este tipo de vida. Muitas vezes comparado a um ator, ele configura-se ao mesmo tempo como artista da palavra e falso vivente.
“Mas onde cessassem as relações oficiais, cessava também qualquer forma de contato. [...] Ivan Ilitch fazia tudo isso não apenas com leveza, prazer e perfeição, mas como quem realiza um trabalho artístico.” Pág. 41
Mas a vida semi-humana do próprio Ivan Ilitch vê-se abalada por uma situação bem humana, uma doença. Seu processo de humanização é descrito magistralmente por Tolstói. Começa por algo bem humano, nada mais humano que a dúvida.
“Nós, os doentes, sem dúvida fazemos muitas perguntas inadequadas. Mas diga-me, de modo geral, assim por cima, esses sintomas lhe parecem graves ou não?” Pág. 48
Depois da dúvida não respondida, o processo continua e Ivan é tomado pelo desespero. O desespero que é um mix de silêncio de todo mundo com uma gritaria interna, lá na alma.
“Seu coração se apertou, sua cabeça girou. ‘Oh, meu Deus! Oh, meu Deus!’” Pág. 60
Depois da dúvida e do desespero, emerge na alma do próprio Ivan o maior indício da sua humanidade, o medo da morte. Vendo-se tão humano ele vê-se como mortal, e um mortal próximo de seu destino final.
“Ele então ia para seus aposentos, deitava-se e outra vez ficava a sós com ela [a morte]. Cara a cara com ela. E não havia nada que ele pudesse fazer com ela, a não ser olhar e estremecer.” Pág. 67
O fim inevitável e a situação indigesta confluem para um ponto nítido e claro. Embora seja pesada, a verdade é muita presente.
“[Tudo] concentrava-se em um único ponto: saber quando ele afinal partiria e libertaria finalmente os vivos do constrangimento de sua presença e a si próprio de seu sofrimento.” Pág. 68
Nesse processo de humanizar-se, Ivan prossegue como humano, e, como todo humano, ele percebe que precisa das outras pessoas. No meio da hipocrisia e das falsas demonstrações de sofrimento, Ivan Ilitch encontra um apoio sincero e permanente no seu empregado Gerassim. Se fosse num livro de Wilde, eu acharia estranho, mas como é Tolstói, russo de verdade, acho que era só amizade.
“Gerassim fazia tudo calmamente de boa vontade, com simplicidade e uma boa vontade que comoviam Ivan Ilitch. Nas outras pessoas, saúde, força e vitalidade ofendiam-no, mas a força e a vitalidade de Gerassim, ao contrário de aborrecê-lo, transmitiam-lhe calma.” Pág. 72
Chegando ao auge da sua humanização, depois de sentir dúvida, desespero e solidão interna e externa, Ivan começa a dirigir-se a Deus. Bem humano este Ivan, não é?
“Por que o Senhor fez isso comigo? Por que me fez chegar até esse ponto? Por quê? Por que torturar-me tão horrivelmente?” Pág. 87
O fim estando próximo, Ivan começa a lembrar-se do início. Com tom de nostalgia e chega a uma conclusão: “Assim como a dor piora cada vez mais, minha vida toda foi progressivamente piorando.” Mas Tolstói põe sua opinião sutilmente com seu tom de nota de rodapé.
“A vida, uma série de sofrimentos cada vez maiores, acelera rapidamente para o final e este final é o sofrimento mais terrível.” Pág. 93
Ilitch começa a entender o que se passa ao seu redor e começa a revoltar-se no fim de sua vida. Algo pouco entendível para quem sempre conviveu com o Ivan semi-humano.
“Era verdade, disse o médico, que a dor de Ivan Ilitch era terrível, mas, pior do que ela, eram seus sofrimentos mentais, sua pior tortura.” Pág. 95
Ivan tem medo do seu futuro fim, mas tem um medo gritante de seu passado frio, oficial, calado, formal.
“[Ivan pensou] ’E se na verdade toda a minha vida tiver sido errada?” Pág. 95
Quando a morte chega para Ivan, não há desespero nem medo. Apenas há a morte, ela por si própria, com seu manto apassivador.
“’A morte está acabada’ disse para si mesmo. ‘Não existe mais. ’ Respirou profundamente, parou no meio de um suspiro, esticou o corpo e morreu” Pág. 101
Um livro curto e conciso sem deixar de ser complexo.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Autor e Obra...


Há algum tempo, venho pensado em fazer um poema mais metalinguístico, algo em que eu escrevesse sobre o ato de escrever. Depois de muito processo de projeção mental do poema, decidi [finalmente] escrevê-lo:

Versos, queridos versos, meus versos,
Já não sei se vos sou beneficiário ou prisioneiro.
Pois nesse relacionamento controverso,
Não sei o que virá, mas gosto do que já veio.

Versos, meus versos, versos queridos,
Às vezes fluem com incrível e inefável facilidade,
Como se precisassem ser urgentemente lidos
Por cada alma que compõe a Humanidade.

Queridos versos, meus versos, versos,
Às vezes preciso expulsá-los de minha mente,
Como se, por motivos diversos,
Todo meu ser os odiasse de repente,
Pois me fazem como réu confesso,
Falando do que me aflige interiormente.

Versos, queridos versos, versos meus,
Não vos posso esquecer nem negar,
Pois escolheram este meu pobre eu
Para perturbar ou só para nele habitar.

Versos, meus versos, queridos versos,
Já não sei se vos sou beneficiário ou prisioneiro.
Mas independente do resto, eis o que vos peço:
Fluam, pois se ninguém os ler, eu os leio.

Raul Cézar de Albuquerque
09/12/2011

Eu decidi fazer Direito...


Nestes últimos dias, tenho estado em profunda crise, por causa do ano que vem (vestibular, 3º ano, otras cositas más) e este desespero de não saber nem o curso no qual ingressarei me inundou de modo tão claro que resolvi escrever este poema, pois EU DECIDI FAZER DIREITO:

Eu decidi fazer Direito,
Pois, apesar de qualquer outra ânsia,
Percebi que não tinha jeito,
Isso me perseguia desde a infância.

Quando eu era pequeno era algo perfeito,
Era fácil colocar “lawyer” no livro de inglês,
Ver o que o réu deveria ter feito
E puni-lo pelo que o próprio fez.

Mas o noticiário me fez crer
Que aquilo não era tão perfeito assim,
Que nem todos cumpriam seu dever.
Pelo menos, foi o que pareceu a mim.

Aquele retrato foi sendo manchado
E o sonho foi sendo esquecido.
Meu grito de ímpeto foi calado
E meu projeto foi rapidamente demolido.

Mas algo me fez ressuscitar
Aquele velho anseio sepultado.
Então voltei a acreditar
Que o sonho poderia ser realizado.

Eu decidi fazer Direito, mas fazer direito.
Fazer tudo certinho, à luz da lei.
Pois é um sonho que eu já não rejeito,
É um sonho que realizarei.

Raul Cézar de Albuquerque
08/12/2011

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Crítica do Livro "Lituma nos Andes"


Quem leu minha crítica ao livro “A cidade e os cachorros”, sentiu que eu gostei muito do estilo do peruano Mario Vargas Llosa, embora não tenha poupado os pontos negativos.
Gostei. Gostei muito da teia narrativa deste gênio de nossos dias, digno, mui digno do Nobel que recebeu. Gostei tanto que fui procurar outro livro dele para ler, para concretizar a sua imagem de bom escritor em minha cabeça. Num dia, de bobeira, numa livraria encontrei este livro com uma capa muito bonita, mas o que me fez comprar o livro foi uma pequena colocação na quarta capa, dizia assim:
“Uma crítica social bem-costurada, tão afiada qualquer livro de Balzac ou Flaubert.” The Washington Post.
Crítica social, tudo bem. Qual escritor não faz isso de vez em quando? Bem-costurada, eu já esperava. Não seria o ponto-chave da genialidade de Llosa? Mas... Compará-lo a Honoré de Balzac e a Gustave Flaubert, ícones eternos das literaturas francesa, realista e universal, era demais pra mim.
Comprei. Não me arrependi. Segue a minha crítica:

Lituma, o protagonista, é um cabo do exército peruano. Tomás Carreño é seu ajudante. Ambos vivem num posto policial, na encosta de um morro próximo a um acampamento de trabalhadores de uma obra que tem tudo pra não terminar. Lituma e Carreño têm uma missão: descobrir a razão de três desaparecimentos e os culpados pelos mesmos.
Do começo já percebemos o poder de descrição poética de Llosa que não é carregada como os textos de Tolkien nem leve demais como os textos de L. Frank Baum. Tais descrições tomam o livro do início ao fim.
“[...] a mulher deu meia-volta e foi enfrentar o aguaceiro. Poucos minutos depois tinha se dissolvido na umidade plúmbea, rumo ao acampamento.” Pág. 14
A crítica social de Llosa citada pelo The Washington Post não se encaixa na ordem econômica nem política (embora também exista), mas na visão cultural do povo peruano. Llosa critica ferozmente aquela sociedade supersticiosa demais, que não nega suas raízes indígenas, que não esquece seus rituais.
“– Disse o que vi. Que ele ia ser sacrificado para aplacar os malignos que causam tantos danos na região. E que foi escolhido por que era impuro.” Pág. 38
O que me impressiona em Llosa é sua capacidade de entrelaçar histórias que, aparentemente, nada têm em comum. O que ocorre é que ele inicia uma narrativa linear, depois a interrompe, conta uma pequena história totalmente diferente da narrativa, logo depois volta à narrativa e liga a narrativa à pequena história. É fascinante.
Seguindo a tradição literária latino-americana, o livro tem ligações claras com o período em que o Peru foi dominado por muitas milícias leninista-marxistas. Dando um tom de humanidade, ele singulariza e humaniza o guerrilheiro peruano.
“Era um jovem com um olhar duro, com a expressão de alguém que sofreu muito e que odeia muito. Como podia, sendo quase um menino?” Pág. 47
O cabo Lituma não fica só na idealização, mas também tem seus desejos expressos através de Llosa, às vezes sem muita classe, porém com muita sinceridade.
“– Cinco de uma vez! Trocar de fêmea todo dia, toda noite, como se troca de cueca ou de camisa. E nós dois aqui de mãos abanando, Tomasito.” Pág. 55
Também é interessante ver o contraste entre o experiente e já mutilado cabo Lituma e o jovem e ainda romântico Tomás Carreño. Carreño desenvolve uma paixão não-correspondida por uma mulher que não quer nada com ele e, no acampamento, usa Lituma como ouvido-amigo.
“[Lituma diz] Não precisa ter vergonha. Umas lágrimas não fazem ninguém desmunhecar.” Pág. 66
“[Carreño diz] Eu iria até a cela dela só para me ajoelhar e adorá-la. Ela é minha Santa Rosa de Lima.” Pág. 242
Numa das historietas paralelas, Llosa conta a história da cidade de Andamarca. Lá, uma milícia chegou e iniciou um julgamento popular para pequenas causas pessoais. O fim não foi muito bom.
“Por volta do meio-dia, muitos andamarquinos já se aventuravam a ir até o centro da praça para manifestar suas queixas, fazer suas recriminações e apontar os maus vizinhos, os maus amigos, os maus parentes. [...] Todos foram condenados por um bosque de mãos. [...] Foram executados de joelhos, apoiando as cabeças num broquel de poço d’água.” Pág. 70
O conflito cultural é muito presente. Os da costa contra os índios. Há uma espécie de etnocentrismo exacerbado muito criticado pelo escritor. A crítica social vai também à imaturidade cultural e social dos moradores dos Andes que não negam suas raízes indígenas, mesmo que estas sejam uma ameaça a eles próprios, como povo que são.
“– Engolem qualquer bobagem, como essas histórias de pishtaco e de muki, coisas que ninguém acredita mais em nenhum lugar civilizado.” Pág. 92
“O que faziam para que a morte não derrotasse a vida? [...] Ele sabia que só seria chefe e autoridade até lá; depois, o sacrifício. [...] Morria como herói, querido e reverenciado. Isto é o que ele era: um herói. [...] Seu reinado acabava em sangue.” Pág. 235
No decorrer da história, Llosa não nega a sua carga de influências realistas e começar a indicar ideias mais deterministas, onde até o próprio Lituma começa a se acostumar com as “ideias” daquele povo, que no princípio eram tão repudiadas. O escritor passa a ideia de que Lituma nada pode fazer contra a tradição. Uma tradição cruel, mas uma tradição cultural que permeou os séculos.
“– Em compensação, o senhor conserva a cabeça fria neste manicômio, meu cabo.
  – Deve ser por isso que me sinto tão desambientado em Naccos, Tomasito.” Pág. 243
O desfecho da história é surpreendente. Não deveria ser, pois o leitor é preparado para tal fim a cada capítulo, mas Llosa conta o fim de modo tão frio e natural que o leitor se espanta (Algo que me lembra o mestre José Saramago, a frieza). Assim, um fim que tinha tudo para ser incrível é desprezado – pela falta de expressão – e focalizado – pela sua natureza cruel – ao mesmo tempo.
Após toda uma narrativa pesada e cheia de crueldades e vazios emocionais, aparece um final feliz. Um final que emerge do nada, uma flor no meio do deserto. No epílogo, tudo se resume e se ajusta muito bem, nada fica solto no ar.
Mario Vargas Llosa, um gênio como poucos em nossos dias. O livro é tão bom que fico tentado a dar nota dez ao livro, mas por alguns conceitos defendidos prolixa e friamente dou 9,5. Estou ávido por mais de Llosa. Fique com a última colocação do livro, algo de prosa poética.
“[...] Sentiu uma lufada de vento gelado e, apesar do seu aturdimento, viu que a esplêndida meia-lua e as estrelas iluminavam com toda nitidez, num céu sem nuvens, os agudos picos dos Andes.” Pág. 270